Publicado no Jornal Tribuna das Monções no dia 21 de Outubro de 2016
Aquela manhã de segunda-feira dia 17 de
outubro de 2016, tinha tudo para ser um dia como os outros, mas não foi. No
domingo já era quase meia noite quando eu e o Miguel trocamos a sua cama para
refrescar porque estava muito calor e aproveitamos para fazer-lhe uma massagem.
Ao final a senhora ficou bem, perfumada, parecia estar feliz e olhou
profundamente para nós dois, como quem quisesse dizer-nos: “Obrigada”.
A noite foi como tantas outras. Recordo-me
que já era quase quatro horas quando a senhora tossiu e eu me levantei para
fazer os procedimentos necessários e como ainda era muito cedo, voltei
descansar mais um pouco. Foi a última vez que eu te vi com vida porque quando se
aproximava das seis da manhã eu tentei acorda-la, mas foi em vão, a senhora
tinha adormecido, para sempre!
Eu não posso reclamar, fui eu, que numa das minhas conversas com Deus
pedi para que a senhora fosse dessa forma, em paz, em casa, porque já havias
sofrido muito em hospitais e UTI. Mas, eu não esperava que fosse naquele dia,
que tudo se acabasse ali naquela manhã, provando o quanto é tênue a linha entre
a vida e a morte.
Vida, nós a vivemos intensamente! Fomos muito felizes, sempre muito
unidas. Divertimos-nos, passeamos, enfim a senhora gostava do que era belo e
buscava viver da melhor maneira. Eu nunca passei um dia nesses 53 anos sem
falar com a senhora, mesmo quando viajava a trabalho, meu coração só acalmava quando
eu ouvia sua voz dizendo que tudo estava bem.
Deus nos separou aos poucos.
Primeiro foi aquele tombo que não deixou que a senhora me acompanhasse mais. Depois
foi o AVC que levou parte da sua memória, do seu entendimento. Depois a crise de
janeiro de 2014 que a deixou acamada definitivamente sem se movimentar,
alimentando só através de sonda e sem falar.
Só que, apesar de tudo, a senhora estava na minha casa e naqueles
momentos que a tristeza e a angústia chegavam eu podia abraçá-la, sentir o seu
calor, o seu cheiro, ter o seu colo! Ah!
Mãe como dói, entrar naquele quarto e não te ver mais e saber que isso é para
sempre. Antes você ia para o hospital, mas como era uma fortaleza, sempre
voltava.
Teve alguns dias em que eu estive tão triste porque eu sabia que estavas
sofrendo muito. Literalmente falando, a senhora estava “pele e osso”. As
escaras estavam tomando conta do seu corpo e eu, já não sabia mais o que fazer
para aliviar aquelas dores que certamente sentias, mas aguentava quieta, sem
pronunciar um “ai”!
Eu tenho certeza que agora a senhora está feliz, que depois de quase 26
anos encontrou com ele, o meu pai. Eu sei que a senhora pensava nisso desde
quando ele se foi porque apesar da pouca idade, nunca quis ter outro alguém.
Queria ele para a eternidade e esperou por esse dia. A senhora estava tão
bonita, tão serena para esse momento que nem parecia que tinha sofrido tanto.
Em nossas conversas, quando ainda podia falar e tinha consciência do que
dizia, pediste para que eu não chorasse quando a senhora partisse. E se fosse
agora me diria: “Por que chorar? Você
acha que aquilo que eu estava vivendo
era uma vida?”. Sim eu sei que era uma alma presa num corpo doente. Mas, não chorar é impossível, eu preciso
viver o meu luto, eu preciso sentir essa dor para que depois eu possa continuar
a minha caminhada.
Mesmo em prantos, agradeço a Deus porque enquanto muitos perdem sua mãe
no momento do nascimento ou ainda quando criança, eu tive o privilégio de tê-la
por 53 anos. Mãe, obrigada por tudo e descanse em paz!